Vinte e dois de dezembro de 2012. O Vantuir é o primeiro a
acordar. Tudo escuro. Tenta se levantar e constata que está preso sob um corpo
e muitos, muitos entulhos: caixas, garrafas, restos de comida. Com muito
esforço, consegue esticar o braço e encontrar o que parece ser a perna de uma mesa, onde firma o braço e
consegue sair debaixo daquele corpo que, com seu movimento, emite alguns
grunhidos.
Acostumando os olhos à escuridão, Vantuir senta em uma cadeira e
começa a relembrar o dia anterior: o dia do fim do mundo. Os fatos começam a
retornar, do fundo da sua cabeça dolorida. Era sexta-feira, e a turma toda
tinha decidido fazer o happy-hour de sempre, mesmo que fosse o último. Na
verdade, não dava pra afirmar que tinha sido uma sexta-feira como qualquer
outra: lembrou que ele, Minduim, Mário Lúcio e o Vianinha tinham decidido se
vingar dos clientes que atormentavam suas vidas: fizeram questão de ligar para
cada um deles, em nome da empresa e dizer tudo que queriam ter dito ao longo
dos anos. Também aproveitaram para apagar os históricos, enviar todos os
títulos para protesto e cancelar todas as encomendas. E, já que era o fim
mesmo, invadiram a sala do chefe, rasgaram todos os documentos, quebraram o
computador e arranjaram um vira-lata para colocar dentro da sala, antes de
abandonarem o prédio como um bando de malucos gritando e quebrando tudo.
Estava ainda organizando os pensamentos quando viu que mais alguém
tinha sobrevivido: Era o Minduim, que se aproximava arrastando os pés, sujo,
com as roupas em pedaços e tinta verde no cabelo.
- Parece que sobramos... – disse o Vantuir.
- Só nós dois? – perguntou Minduim, enquanto coçava o que havia
sobrado de cabelos na cabeça.
- Por enquanto... – tinha um corpo em cima de mim, mas não sei se
está vivo.
- Era grande? Porque você passou a noite toda abraçado na Dona Verônica.
- Dona Verônica? Aquela da contabilidade? Abraçado como, se ela
tem três vezes o meu tamanho?
- Prometeu casamento e tudo....
Nisso, Vantuir olha pra mão direita e percebe que está com uma
aliança. É o fim do mundo mesmo, ainda bem. Mas se sobraram, por que só eles? O
que aconteceu? Onde estavam afinal? Era um lugar sem janelas, escuro e frio.
Talvez fosse um abrigo para catástrofes, mas não lembrava de existir algum
destes no Partenon.
Olhando em direção à porta, Vantuir falou, em um tom formal como pedia a situação:
_ Temos que sair e
começar a reconstruir o mundo. Somos a nova civilização! Vamos reunir os que
sobraram, organizar patrulhas, encontrar mantimentos e...
- Shhh!! – Fez uma voz, vindo do fundo da sala.
- Que foi isso? Quem está ai?
- Fica quieto, Vantuir,
tá todo mundo querendo dormir!!!
- Mário Lucio, você também sobreviveu? Que todo mundo? Quem mais
está ai?
- Todo mundo que tava na festa, ontem... – Respondeu Mário
Lúcio. E que festa! Rolou de tudo!
Que idéia a sua de trazer todo mundo aqui pro porão da Dona Lurdes!! Só vamos
dar um jeito de acordar este povo e dar o fora, antes que ela volte de
Cidreira.
- Porão? E o fim do mundo?
- Pois é, não rolou... Vai saber, né? – disse o Mário, enquanto procurava seus sapatos - Ah, e
parabéns aí, pelo noivado.
Nisso, o celular toca e o Vantuir reconhece o número do seu chefe.
O som desperta a dona Verônica, que acorda e lança um sorriso sedutor em sua
direção. Vantuir olha pro Minduim e só consegue decretar:
- Os Maias. Eu só quero os Maias!! Cadê eles????